domingo, 15 de junho de 2014

A bonequinha

Escrevi há alguns anos e nunca publiquei pois sabia que era ferida aberta, sangrando e que qualquer comentário poderia me abalar.
Hoje já não me dói, amada pelos meus sobrinhos, sobrinhos do coração, pela minha filhinha canina já me sinto recompensada pela falta que me fez não ter sido mãe.
Aproveito pra publicar esse texto que acho ser tão emocionante.
E o dedico à minha mãe que quando o leu se emocionou e me disse que essa boneca ela mesma ganhou no dia em que eu nasci, exatamente como descrevi.
Te amo mãe.


Eu sempre quis aquela bonequinha, desde a meninice eu sabia que um dia a teria e ela seria a razão da minha existência, nasci pra tê-la.
Eu me preparava pra ela, as brincadeiras de casinha, o travesseiro que se tornava em berço, o perfume com frasco de abajur que colocava ao lado, as mamadeiras que aprontava pra hora da fome do bebê, as roupinhas que lavava e passava, foi um grande exercício de maternidade e ano após ano me via preparando meu caminho para o encontro da mais bela das bonecas.
Quando cresci, a boneca ficou sobre a cama a enfeitar um quarto angelical de garota sonhadora e passei a me preparar para o pai da bonequinha e o sonho girava sempre em torno da mesma coisa, objetivando aquela boneca com olhos escuros, pele clarinha e boquinha carnuda e vermelha, fosse a boneca menina ou menino era pra chegada dela que vivia.
Eu tinha certeza, a única certeza de toda minha vida, que eu havia nascido pra ter aquela bonequinha.
Os anos se passaram e a brincadeira ficou séria demais mas em vez de bonequinha eu ganhei decepções, em vez de choro de bebê ouvia meu próprio choro abafado pelo travesseiro ao anoitecer e ainda o ouço.
A bonequinha nunca ganhei e já não a espero mas a frustração tomou meu coração e não sei bem quais motivos me levam à existir.
Falo de Deus, de esperança mas meu coração está vazio.
Ouvi muitos nãos durante minha vida mas eu juro que eu só queria aquela bonequinha.
Meu coração já não crê no amor pois aprendi que o amor é finito e pode se tornar em desprezo com tamanha facilidade de causar medo, aprendi que só tenho a mim mesma e quando as coisas ficam feias eu sou a única que ainda estarei comigo.
Já não encontro muito daquela mocinha cheia de sonhos, que sonhava com os detalhes, a cortina de renda branca na janela da cozinha, as toalhas Ele & Ela, os brinquedos no cercado, me lembro das coisas que pensava e em tudo que eu cria e já não creio mais.
Me sinto destroçada por dentro, não encontro motivos e passo os dias tentando me convencer que eles existem mas os próprios motivos que invento me mostram que não existem.
Eu acordo e durmo todos os dias da mesma maneira, tal qual os cavalos e fico imaginando que motivos tenho pra continuar e nada, absolutamente nada me faz crer que ainda dá tempo.
Por anos eu disse a mim mesma a frase que me fez ir adiante quando adoeci; "lutar é ter a coragem de acreditar que ainda dá tempo", hoje sei que perdi essa coragem e não consigo acreditar mais.
Eu só queria entender mas ninguém com suas filosofias conseguiu me convencer de que foi melhor assim, mesmo eu já tentei me convencer disso mas acontece que a bonequinha me faz falta e não há sequer um dia de minha vida que eu não pergunte à Deus qual o motivo disso tudo e não aceito represálias e nem explicações mas quem irá se desculpar por tudo isso?
Quem irá juntar os caquinhos do meu coração que fora partido tantas e tantas vezes?
É com lágrimas nos olhos que escrevo esse texto e me exponho outra vez ao mundo, as minhas inquietações podem ser de tantas outras pessoas e eu não me importo em parecer ridícula pois o que é minha vida senão um sopro que logo cessará?
Sei que meus olhos se abriram com o desejo daquela boneca e se fecharão sentindo a falta dela.
Ah Papai, por que não me deste? Podes ao menos me dizer o motivo?
Já é tarde e agora meu vigor está indo embora, meu entusiasmo já dura menos e minha alegria é superficial demais, os motivos não me convencem e nem inventá-los consigo mais, logo deitarei e as lágrimas secarão a medida que adormeço e cada uma delas estará perguntando: Onde está minha boneca?



Sim, eis aqui o diário de Dag, coisas de Daguinha é isso; transcrever lágrimas, dores, amores e desamores; a vida.
Quem lê Coisas de Daguinha, lê um pouco da minh'alma.

Dag Veloso