quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Queda de braço

Tenho mieloma há 20 anos (e meio). Estou doente há 16 porque só fiquei em remissão total por 4 anos e depois nunca mais. A doença sempre foi controlada e com o segundo transplante não mudou o quadro, só permaneceu controlada. Vivi todos esses anos como curada, fazendo tudo que podia e precisava fazer, com certas limitações e nem sempre respeitei esses limites. Viver é o que me faz esquecer que estou doente. Mas hoje as dores não me deixam esquecer que não estou curada, elas sussurram, às vezes até gritam pra me lembrar friamente que estou doente. 
Mas quando estão apenas sussurrando eu simplesmente faço tudo o que consigo fazer sozinha. Me levanto, cuido das minhas bichinhas, coloco a comidinha, troco a água, converso e brinco um pouco com elas, limpo o cantinho do xixi e então meu dia começa. Até aqui faço mesmo quando as dores gritam porque elas dependem de mim e eu amo cuidar delas. 
Trabalho, sempre adianto meu trabalho para o caso de acontecer algum contratempo que, graças à Deus, não tem acontecido. Faço minhas compras mas como não consigo pegar peso eu mando entregar ou compro online, vou ao hospital sozinha, passo por consultas, faço quimioterapia, transfusão de sangue e exames...
Faço sozinha e não é porque sou orgulhosa ou não preciso de ninguém. Eu preciso muito mas esse é o jeito que encontrei de não me entregar. É o jeito que encontrei de me sentir viva mesmo quando as dores já gritam nos meus ossos. 
Essa foi a pior recaída que tive, todas as vezes as dores diminuíram em 3 meses de tratamento, dessa vez já passa de 1 ano em tratamento e as dores permanecem, as dificuldades aumentam, o desafio e minha queda de braço com a dor está me cansando. 
Mas o fim não precisa da minha desistência pra chegar, ele pode vir enquanto estiver pra ganhar a briga, então continuo brigando. 
Eu não gosto de estar doente, acho que não tem quem goste mas eu gosto de viver. Gosto de acordar e cuidar das minhas princesas de patas, cuidar da casa, gosto do meu trabalho, gosto de pagar minhas contas em dia, de ir à igreja, de no decorrer do dia agradecer à Deus pela vida que tenho. 
Gosto da minha mãe, do Alex, do Abraham e de saber que eles estão bem, que estão lutando honestamente por suas vidas e pela minha também, porque mesmo longe estão sempre cuidando de mim como podem. 
Acho que a maioria das pessoas que me observam podem pensar que ninguém quer cuidar de mim por não me amarem ou por eu ser ruim, sei lá... na verdade, todos que conheço gostariam de cuidar de mim mas mais do que a dor, isso me faria sentir doente. Mais do que a dor isso me faria me entregar. 
Com a dor posso disputar quem é mais forte, com quem amo eu pararia de lutar pra descansar em colo protetor. 
Não sei o que vai acontecer nos próximos dias, meses, talvez anos, mas sei que sou grata pelas pessoas que conheço, que se importam, que se interessam e que acreditam em mim. 
E minha oração é apenas que eu esteja no centro da vontade de Deus, agradando à Ele. O resto é lucro, se vier.

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